sábado, 13 de abril de 2019

Stadia, Apple Arcade, Game Pass e Cuphead: O novo mercado da atenção


Recentemente o mundo dos jogos deu uma sacudida violenta com a entrada de novos competidores e quebras de paradigmas. O Google está entrando no mercado com Stadia, a Apple com seu Apple Arcade, a Epic com a Epic Store, a Microsoft transformando seus jogos em serviços como o Game Pass, além do fato que eles saem também no PC e até no Switch, tudo está meio estranho. E o curioso é que tudo tem o mesmo motivo.

Se você reparar o mesmo está acontecendo no mercado de Streaming, que antes era dominado unicamente pela Netflix e agora lidará com competição ferrenha de Disney+, além da existência de serviços menores como Amazon Prime, mas vale lembrar que a Amazon também é uma grande jogadora nesse mercado. Estou falando sobre streaming apenas para exemplificar? Não, eles também são parte da questão.

Lembra-se quando a maioria das empresas viam os consumidores como carteiras ambulantes? Sempre foi essa a visão de empresas mais inescrupulosas como EA e Activision, por isso o desafio delas sempre foi sobre como tirar mais dinheiro de cada consumidor com dlcs, edições especiais, lootboxes. Ironicamente, um dia ainda sentiremos saudade dessa visão.


Porque EA e Activision são como adolescentes em um parquinho, parecem grandes perto das outras crianças, mas são pequenas comparadas ao mundo dos adultos. Veja que o desafio dessas empresas é encontrar novas formas de tirar seu dinheiro, fazer você gastar com um produto, mas o que aconteceria se empresas já soubessem como tirar seu dinheiro e agora só precisassem retirá-lo continuamente. Este é o novo paradigma do consumidor no capitalismo moderno. Ele virou o produto.

Empresas gigantes como Microsoft, Disney, Apple, Google, Amazon e algumas menores em comparação a essa escala como Epic, Warner e Netflix estão lutando para ter você no curral delas. Seu dinheiro não é mais o que elas querem... bom, é... mas já é tão garantido que elas conseguirão tirá-lo de você que não é mais uma questão de como elas tirarão e sim de quanto. Você agora está sendo ordenhado e a única limitação é quanto tempo está conectado à máquina e o ideal seria um quarto coberto de telas como no episódio "Quinze milhões de méritos" de Black Mirror.

Isso significa que a moeda não é mais o dinheiro e sim sua atenção, o "Watch Time". Quanto mais atenção você dá, mais dinheiro você gera para essas empresas, seja direta ou indiretamente, como anunciantes que pagam para elas exibirem propaganda pra você ou compram seus dados. Por que a Microsoft está lançado seus produtos em mais plataformas do que antes? Até mesmo em plataformas que seriam rivais? Porque ela é uma empresa gigante e para ela agora importa mais o tempo que você olha para algo dela, do que os produtos que você compra dela. "We're in the Endgame now".


A questão é que para manter seu tempo no site, seu "Watch Time" otimizado, as empresas utilizam algoritmos que tentam prever o que você gostaria de assistir para que então fique mais tempo lá assistindo. Veja que nesse momento estamos falando de plataformas como YouTube ou Facebook, mas como seria o futuro dos games no qual um algoritmo te convence qual jogo experimentar a seguir e isso com base em quanto esse jogo te prenderia no sistema deles e não por suas qualidades.

Para não mencionar que algoritmos podem ser manipulados e já é o que estamos vendo hoje em dia, mesmo além do Facebook e YouTube. Atualmente alguns dos jogos mais baixados que vemos no Google Play e App Store são da empresa Voodoo. Eles não são jogos bons, muitas vezes copiam outros jogos melhores, para não mencionar que quase todos os seus jogos simulam multiplayer com outras pessoas quando na verdade são apenas bots. Mas eles são ótimos em manipular os algoritmos que os colocam no topo. Tão bons que atraíram investimentos do grupo financeiro Goldman Sachs, o que é no mínimo um pouco suspeito.

Mas ok, eu falei bastante de Microsoft, que é uma empresa gigante e fabricante de consoles, mas o que tudo isso significa para empresas menores como Sony e Nintendo? Elas não têm a mesma capacidade das outras empresas citadas, a Sony mal se recuperou de uma crise na empresa que quase a faliu e a Nintendo é uma empresa unicamente de videogames.


A primeira coisa que você deve notar é que nenhum plano dessas empresas inclui a Sony em nada. Se a Microsoft não vê mais a Nintendo como rival porque agora está competindo por atenção, por que ela ainda veria a Sony como tal? Porque a Sony é atualmente a líder do mercado de consoles e isso a torna um inimigo a ser derrubado.

Quando a Microsoft tentou barrar jogos usados bastou um vídeo da Sony dizendo que o PlayStation 4 não teria essa limitação para destruir completamente a geração para a Microsoft. Imagine se a Sony resolvesse apontar as falhas de conceito do Stadia, da ideia de pagar por uso de jogo e não pela posse de jogo como no Game Pass. Com as estratégias certas ela poderia matar algumas dessas empreitadas, virar a opinião do público, se tornar uma pedra no sapato. Por esse ponto de vista ela tem que ser eliminada.

E a Nintendo simplesmente corre por fora, ela não faz parte desse mundo das megacorporações e sempre existe o risco de ser engolida se não for forte o suficiente. Um CEO como Satoru Iwata jamais deixaria isso acontecer, mas eu não tenho tanta fé no CEO atual. Ainda assim sempre existe aquela mágica única da Nintendo capaz de protegê-la e de até fazê-la despontar no meio de megacorporações.


Agora falando sobre algo até um pouco ridículo que talvez devesse ser o foco disso tudo. Esse modelo de caça ao Watch Time sequer é sustentável? Muito provavelmente não, pode ser uma bolha como as da Netflix ou Uber. Seria um alívio para o futuro já que veríamos várias dessas empresas quebrarem a cara enquanto alguma novata desconhecida causaria uma disrupção e ditaria os novos rumos do mercado.

Mesmo nesse mundo tão controlado por empresas gigantes ainda existe a possibilidade de uma disrupção vir de uma empresa pequena, como veio da Netflix há pouco tempo. O que vemos atualmente é o período de benchmarking, no qual todas as empresas estão correndo atrás das líderes com medo de ficarem para trás. Nessa febre do ouro em nenhum momento se questiona se as líderes de fato estão na frente ou se o seu modelo de negócios é bom.

Como presumo que saibam, a Netflix amarga prejuízos gigantescos atualmente, na casa de dezenas de bilhões, enquanto recebe centenas de milhões de lucro. A ideia é que ela crescerá exponencialmente e seus lucros um dia superarão seus prejuízos, porém trata-se de uma bolha especulativa, pode estourar antes do esperado... e ainda assim a Disney segue logo atrás dela.


A questão é que durante um tempo muitos terão Netflix, durante um tempo muitos terão Disney+ e durante um tempo muitos terão Game Pass e durante esse tempo ideias como um PlayStation ou um Nintendo podem começar a parecer ultrapassadas e talvez deixem de existir a longo prazo mesmo que no fundo sejam opções melhores. As pessoas simplesmente vão se acostumando com novos modelos de consumo independente de serem sustentáveis ou não.

A tecnologia algorítmica de big data e a inteligência artificial têm alterado profundamente a forma como nos relacionamos com a tecnologia, até caindo no cliché clássico do homem como escravo da máquina. Megacorporações não parecem se incomodar de usar isso para lucrar e o limite disso será um dos grandes desafios que enfrentaremos nos próximos dez anos. Quando menos notarmos, a forma como jogamos videogame pode mudar para sempre.

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