Recentemente eu comprei um mangá de Osamu Tezuka, criador de Astro Boy e praticamente o pai da animação japonesa, chamado "Faculdade de Mangá". É uma série de histórias/aulas com uma ênfase muito maior em "história" que servia como um tipo de guia para artistas que queriam ser mangakás no Japão após a crise causada pela Segunda Guerra Mundial.
Quando eu costumo falar de Osamu Tezuka é mais sobre a disrupção que seu modelo de negócios trouxe para o Japão e para os Estados Unidos nos anos 80, mas nesse mangá descobri um assunto totalmente diferente no qual tínhamos algo em comum. Havia semelhanças no estilo de Tezuka de ensinar a desenhar com o estilo que eu aprendi ser o melhor para criar jogos.
Como mencionado antes, o mangá tem uma ênfase maior na história. São basicamente três histórias principais com alguns toques de aula no início e no fim. O mangá em si é bem menos didático do que eu esperava que fosse ser e algumas partes específicas só funcionavam mesmo para os desenhistas japoneses da época, instruções passo a passo como marca de tinta barata. Ainda assim algo muito curioso de se ver.
Então vem a parte que eu considero mais essencial do mangá, quando Tezuka fala sobre a progressão da dificuldade dos projetos. Ao ter uma boa noção de desenho o artista deveria começar com tirinhas de quatro quadros como as de jornal, depois criar uma versão própria de uma história já existente como um conto de fadas e só por último começar a fazer seu próprio mangá.
Essa progressão parece um pouco óbvia, mas eu que estou aprendendo a desenhar nunca antes havia pensado em começar por tirinhas. Nunca pensei em recontar uma história já conhecida. Como muitos que aspiram criar sua própria obra eu já estava pensando no resultado final: "como posso desenhar minha própria história em quadrinhos?".
O curioso é que eu já conheço esse método de progressão porém para criação de jogos. Eu o usava para tentar ensinar desenvolvedores mais jovens que constantemente não terminavam seus projetos. Primeiro, crie minigames. Depois desenvolva um clone de um jogo já conhecido que você goste. Por último invista em realizar seu próprio projeto.
A maioria dos desenvolvedores começa diretamente tentando realizar seu próprio projeto e as dificuldades que encontram são tremendas, o suficiente para desistirem ou adiarem indefinidamente. Como aprender a criar jogos exige várias etapas é especialmente importante conseguir completar projetos e se você nunca completa nenhum, é porque está mirando alto demais logo de cara.
O procedimento para criar um jogo original e para criar um clone de um jogo são muito diferentes. Trabalhar com limitações é um processo de auto-descobrimento para um desenvolvedor no qual ele verá onde estão suas falhas e o que ele não sabe. Se você cria um design, programa uma jogabilidade e o resultado sai ruim, você não sabe se o erro está no design ou na jogabilidade. Se você copia um jogo de sucesso e a jogabilidade sai ruim, você tem certeza sobre onde errou e no que precisa melhorar.
Por exemplo, em um jogo original seu personagem pode pular a altura que você quiser, mas em um clone de Mario é importante manter uma certa altura. No seu próprio jogo os obstáculos podem ser como você quiser e se você errar a altura, basta fazer o personagem pular mais alto, porém isso pode afetar o resultado final sem que você se dê conta. Em um clone de Mario quem definiu as condições que você precisa seguir não foi você, então não dá pra apenas aumentar a altura.
O distanciamento emocional de criar um projeto baseado em algo já existente e não em uma ideia original sua também é importante. Quando temos uma ideia nos tornamos defensivos e menos propensos a alterá-la de acordo com o que o produto final pede. Uma pessoa que tenha vontade de fazer um RPG épico prefere dar início ao projeto e nunca terminá-lo do que começar por algo mais simples.
A ansiedade de desenvolver um jogo próprio também é grande. Às vezes um desenvolvedor fica tão ansioso por colocar aquela ideia pra fora que se apressa e passa por cima do aprendizado. Imagine se ao desenhar um mangá um artista ficasse tão ansioso por uma cena de batalha que deixasse de desenhar os cenários em vários quadros anteriores.
Realizar um projeto próprio é bem difícil e exige um investimento alto de tempo e disciplina para aprender todo o necessário antes de começá-lo para que todo o ânimo inicial não se queime e ele não seja abandonado no meio. Então oferece um certo alívio ver alguém tão importante quanto Osamu Tezuka mostrar o caminho para quem está apenas começando.
Olá Rafael,
ResponderExcluirÉ a primeira vez que comento por aqui, apesar de te acompanhar a anos.
Primeiro deixa eu te fazer um elogio: eu adoro seus textos. Serio. As vezes discordo muito do que você escreve mas acho que é por isso mesmo eu gosto tanto eauheaueauo. Suas opiniões são interessantes e fogem muito do senso comum. É o tipo de discussão que eu valorizo e sinto falta no cenário gamer.
Mas enfim, meu comentário hoje é para deixar umas sugestões. Enquanto eu lia esse post (a propósito, que bom que você voltou a postar com frequência) eu fiquei interessado nesse mangá e decidi comprá-lo. Achei ele por um preço até bacana na Amazon. Ai vem a sugestão: você poderia colocar links de anúncio dos livros, quadrinhos e jogos que você cita nos textos. A Amazon e outras lojas têm programas de afiliados em que criadores de conteúdo podem divulgar links particulares dos produtos em troca de um percentual nas vendas. Se você tivesse compartilhado o link desse manga aqui eu teria comprado através dele. Seria uma forma interessante de eu e outros leitores podermos te ajudar a manter o blog.
E já que estou dando pitacos, permita-me mais um: considere o Disquis na sua seção de comentários. Acho que esse é o principal motivo de eu nunca ter comentado aqui antes XD.
Abraços
Boa ideia Filipe, vou fazer isso, obrigado pelos elogios e pela ideia =)
ExcluirVou dar uma olhada se dá pra instalar Disqus aqui, também gosto do sistema deles
O jogo Celeste antes teve a sua "tirinha" em PICO-8, eu achei interessante começar o seu game em algo menor em 8bit, para desenvolver algo maior depois.
ResponderExcluirÉ, acho que as Game Jams, das quais eu nunca fui muito fã, podem acabar sendo festivais de produção de "tirinhas" já que muitos jogos saem de protótipos imaginados nelas
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