quinta-feira, 27 de setembro de 2018
Fim da Telltale Games, Clementine irá lembrar disso
A Telltale Games, empresa que fazia vários jogos episódicos das mais variadas franquias, anunciou sua falência recentemente e não foi uma surpresa tão grande para quem acompanhava esses jogos. Como dizia um famoso comediante, "Eu quero ser apenas saudável o suficiente para quando eu morrer as pessoas ainda perguntarem "de que?"". Vamos lembrar um pouco da história da Telltale Games e ver onde ela errou.
Basicamente, a Telltale Games foi fundada em 2004 para produzir jogos simples, uma espécie de nova geração de jogos do gênero "Point and Click" (Apontar e Clicar) que haviam sido deixados pra trás pela indústria. Para produzi-los com gráficos modernos ela criou uma engine própria para gerar gráficos em 3D, mas veja bem, isso era 2004.
Fazia sentido então que essa companhia que queria ressuscitar os games de aventura de apontar e clicar fosse atrás de franquias do estilo. Tivemos então o retorno de Sam & Max, os quais não eram muito lucrativos em 2D devido ao alto custo de animar os personagens, o retorno de Monkey Island, o qual a LucasArts já não tinha muito interesse de produzir e versões novas de franquias que faziam um razoável sucesso no PC como CSI.
Então a Telltale pegou suas primeiras grandes franquias, séries de filmes que já não recebiam novos conteúdos na época: Jurassic Park e De Volta Para o Futuro (Back to the Future). Foi aqui que eles começaram a sair um pouco da sua zona de conforto. Como eram franquias meio mortas ninguém tinha expectativas muito altas e Jurassic Park realmente não os levou a lugar nenhum. Mas Back to the Future agiu praticamente como um quarto filme após a trilogia e aumentou bastante a mitologia da série.
Parece ter sido na forma como eles lideram com essas franquias que fez com que eles entrassem em contato com a série The Walking Dead de Robert Kirkman, a qual na época estava começando a ganhar atenção na TV e já era um sucesso nos quadrinhos. Este foi um ponto de virada para a Telltale Games que subitamente se tornou um dos garotos grandes do playground.
O primeiro jogo de The Walking Dead da Telltale era incrível, principalmente porque era muito bem escrito assim como as HQs. A história era visceral, desesperadora e havia momentos em que ser um jogo tornava a história individualizada, como escolher quem vai receber comida quando não há suprimentos pra todos. Ele também nos apresentou ao clássico sistema de escolhas da Telltale, que geravam consequências na história. Tudo isso era amarrado com uma nostálgica jogabilidade de Point and Click e tudo estava bem no mundo.
O jogo foi muito aclamado por público e crítica, porque era realmente bom assim, ao ponto de muita gente chorar no final de tão envolvente. As escolhas em geral pareciam alterar significantemente a história e até fazer com que personagens chegassem mais longe ou não na sua história do que na de outras pessoas.
No entanto as escolhas não eram tão profundas assim e a maior parte da história estava sempre sob um trilho impossível de ser alterado. Por ser o primeiro jogo da Telltale tudo parecia ser verdade e "Clementine irá lembrar disso" parecia uma promessa real. Até certo ponto elas foram verdade, mas acho que nunca da forma como os jogadores esperavam que seriam.
A Telltale Games pegou essa ilusão de escolha e fez o que qualquer ilusionista sabe que não deve fazer, repetiu o truque várias vezes diante da mesma plateia. Após perceber o sucesso de The Walking Dead foram vários jogos em sequência nos anos seguintes como Tales from the Borderlands, The Wolf Among Us, Game of Thrones e uma segunda temporada de The Walking Dead.
Os jogos não eram ruins, mas de repente os produtos da Telltale se tornaram algo formulaico e o mais importante, eram jogos que contavam apenas histórias, não tinham mais uma jogabilidade relevante. Havia claro a necessidade de ter que guiar os personagens a fazer algo e a jornada não progredir até você descobrir o que e Quick Time Events no qual você precisava apertar um botão, porém não havia qualquer liberdade dentro desses trechos.
Chegou um momento em que todos sabiam o que esperar de um game da Telltale e eles começarem a entrar em promoções e serem distribuídos de graça em serviços de assinatura como PS Plus e Games with Gold. Provavelmente o ponto mais baixo da empresa, assim como dos jogos da série The Walking Dead foi o game dedicado a Michonne em 2016, com apenas 3 episódios, praticamente sem escolhas e sem revelar nada sobre a personagem ou sua vida anterior (evitando dar spoilers, na HQ muito mais já foi explicado).
As escolhas passaram a determinar menos para onde a história ia e mais sobre quem sobrevivia e assim destravava novos diálogos ou tinha pequenas referências a escolhas passadas em episódios futuros, o que era bastante monótono. Logo a Telltale se tornou mais uma daquelas empresas que prometem uma grande aventura cheia de escolhas que nada mais fazia do que colocar o jogador sempre no mesmo caminho.
Demorou muitos anos para a Telltale Games chegar a Walking Dead e levou muitos mais para ela começar a se mexer novamente. Apenas há poucos anos ela havia decidido mudar sua engine gráfica, a qual ainda era a mesma de 2004 e já apresentava muitos problemas como travadas ao mudar de cena que muitas vezes faziam você morrer à toa.
Estranhamente eu diria que um dos pontos altos da empresa foi justamente em Minecraft: Story Mode. Acho que ninguém esperava que esse jogo ficasse bom e isso deu uma chance ótima à Telltale para surpreender e mostrar do que realmente era capaz. A campanha ficou divertida, cheia de referências e metalinguagem para fãs de Minecraft e ainda teve episódios extras sobre mais elementos desse mundo, incluindo YouTubers.
A segunda temporada de Minecraft: Story Mode mostrou ainda o que poderia ser uma evolução para a Telltale. O jogo oferece um sistema de combate interessante e conta até mesmo com lutas contra chefões, as quais ofereciam um desafio real tanto de jogabilidade quanto estratégia, algo que remete ao que um videogame de verdade deveria ser.
Porém, já era tarde demais. A boa vontade do público com a empresa já havia se esgotado faz tempo. Quando ouvimos que a Telltale havia declarado falência ninguém demonstrou surpresa, mais provável termos imaginado "também... pudera".
Foi como se em algum momento eles achassem que não precisavam mais fazer jogos, só precisavam contar histórias.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário