sexta-feira, 23 de setembro de 2016
Game Design em uma mesa de Pinball
O Conteúdo é o Rei, "Content is King", isso é algo sobre o qual sempre falamos aqui no blog, o que faz ou quebra um jogo é o conteúdo. Porém... o que é "conteúdo"? Trata-se de algo abstrato que seria bem difícil de explicar por um único ponto de vista, então vamos ir e voltar um pouco, quicando por toda parte, como uma bolinha de pinball.
Para começar, o conteúdo não é o tema do seu jogo, mas o tema é o começo. O tema determina sobre o que será seu jogo e qual seu conteúdo. Segundo, o conteúdo não é nem puramente abstrato como a alegria de jogar um jogo, nem puramente matemático, como o número de fases. Trata-se de algo que consegue ser ambos ao mesmo tempo.
Uma vez com um jogo pronto, conteúdo é tudo que o jogador pode absorver desse jogo como entretenimento. Não é algo mensurável, mas é algo que podemos presumir. Quando o valor do conteúdo supera o preço, obtemos "valor excepcional" e temos um sucesso estrondoso em mãos.
Voltamos no entanto a mesma questão: o que é "conteúdo"? Não pode ser algo que só se pode medir depois de pronto, certo? Senão como o colocaríamos ali em primeiro lugar? Então talvez a resposta para entender o que é conteúdo possa ser encontrada ao perguntar: "como se cria conteúdo?". E para aprender isso, vamos usar uma mesa de pinball.
Este aqui é Zen Pinball, um jogo de uma ótima série de Pinball que quase ressuscitou o gênero. Mais precisamente, é sua mesa "Excalibur" baseada nas histórias de Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. O jogo vem com quatro mesas, mas essa é a minha preferida, pois o Game Design dessa mesa, o conteúdo, está feito certo e o das outras nem tanto.
Imagine por um instante que essa mesa de pinball já pronta de Zen Pinball não existe e você precisa criá-la a partir do zero. Tudo que você tem é um espaço retangular vazio e o tema do Rei Arthur. A mesa não pode ficar nem vazia demais nem cheia demais. Como você a preenche?
Aqui entra uma das belezas do Game Design, Level Design e da criação de jogos em geral: cada pessoa fará uma mesa diferente. Há incontáveis jogos diferentes esperando para serem feitos sobre o mesmo tema graças a forma como pessoas distintas veem o mundo sob pontos de vista diferentes, têm experiências e interpretações diferentes.
Para começar precisamos isolar partes do tema, quase como se fosse uma notícia jornalística. No jornalismo o primeiro parágrafo é chamado de "Lead" (ou Lide) pois é o que guia o leitor pela notícia. Ele deve conter os elementos mais importantes daquela notícia, normalmente referidos no jornalismo como "O quê?", "Quem?", "Por quê?", "Quando?", "Onde?" e "Como?".
Sabemos que "O quê?" é o nosso tema do Rei Arthur, então o nosso "Quem?" seria o próprio Rei Arthur, seus aliados da Távola Redonda como Lancelot, Percival, Galahad, o mago Merlin, assim como seus inimigos, os antagonistas, como a bruxa Morgana e o traidor Mordred.
Estenda essa linha de pensamento até conseguir isolar tudo que é relevante para uma história do Rei Arthur ser reconhecida como tal: a espada Excalibur, a dama no lago, o reino de Camelot, a busca pelo Santo Graal, atos heroicos de cavaleiros, grandes duelos como justas (disputas de lança montado a cavalo).
Se você achar algo que não seja necessariamente Arturiano, mas que se encaixe de acordo com a sua experiência e a sua forma de imaginar os contos do Rei Arthur, você pode jogar aí também, como uma pitada de tempero especial vinda direto de você, algo que não poderia ser simulado por outra pessoa.
Observe agora como Zen Pinball preencheu sua mesa. Excalibur foi convertida de maneira inteligente em uma rampa. Este é o tipo de ideia que vale a pena, a que une o útil ao inovador. A arte da mesa conta com Arthur, Mordred, Morgana e a Dama do Lago como parte central, o açúcar para os olhos que atraia o jogador.
Merlin ganhou sua própria estatueta. Normalmente mesas de Pinball tem poucos bonecos para manter o custo baixo, tanto de produção quanto manutenção, então é preciso pensar bem em que você vai colocar ali. Os adornos mais detalhados não precisam sempre ser os elementos de maior destaque da história.
Um bom exemplo para reparar em miniaturas e bonecos dentro das máquinas são as mesas clássicas de Star Wars, as quais tinham miniaturas de R2-D2, X-Wing, Tie Fighter e até um Han Solo preso em carbonita. Ter Luke, Darth Vader ou a Estrela da Morte não seriam necessariamente opções melhores para a mesa, pois a função da miniatura é mais de impressionar mecanicamente.
Falando em mecânica, temos a Távola Redonda, que gira e seleciona os cavaleiros, uma justa no canto esquerdo, um arqueiro e no topo há também um minigame, com subflipers e um guerreiro com uma maça. Do lado direito temos o Santo Graal e na parte de baixo, à esquerda, uma balestra que dispara a bola em certas ocasiões, com a mesma função dos bonecos de impressionar com seu funcionamento mecânico.
É impressionante o trabalho que a Zen Studios fez nessa mesa pois ela é simplesmente perfeita. Ironicamente quase ninguém irá reparar. Bom conteúdo é como boa comida, você não para e aplaude, não tira uma foto para colocar no Instagram, você consome vorazmente com cativação e depois talvez não saiba explicar por que foi tão incrível, você só tem essa sensação de satisfação.
Ao jogar uma mesa com tantos elementos bem escolhidos e posicionados em relação ao conteúdo, você não está apenas se entretendo, está entretendo seu cérebro. Ele não gosta de ficar de lado enquanto você joga, ele quer absorver informações periféricas, sentir que está sendo útil e se sentir desafiado o tempo todo.
Talvez você já tenha reparado que isso não se aplica apenas a Pinball. Essas regras se aplicam a qualquer coisa que você queira criar, de mesas de pinball a fases para um jogo e até mesmo livros. O mesmo que foi feito com o Rei Arthur nesta mesa de Pinball foi feito com a mitologia grega em God of War.
Se o Conteúdo é o Rei, aquele que conseguir tirar Excalibur desta mesa de Pinball se consagrará como o próximo Rei.
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