Super Mario Maker é um jogo comemorativo de 30 anos da franquia Super Mario que trouxe um conceito que há muito os fãs mais hardcore vinham pedindo para a série: criar suas próprias fases. Lançado sem muito tato no dia 11 de setembro, ele vendeu alguns milhões, porém muito abaixo do que era esperado para um jogo da série.
Atualmente, as vendas de Super Mario Maker estão em menos de 3 milhões, o que o coloca lá embaixo em matéria de vendas da série, à frente apenas do fracasso Super Mario Bros. 2: The Lost Levels lançado apenas no Japão (não confundir com o outro Super Mario Bros. 2). Até mesmo o fraco New Super Mario Bros. U vendeu pelo menos 5 milhões.
Jogadores hardcore estão aclamando o jogo como a oitava maravilha do mundo moderno, com um sistema de criação de fases incrível e conteúdo quase infinito para quem quiser jogar Super Mario Bros. tanto clássico quanto moderno. A imprensa especializada de games se derrete em elogios pelo jogo e não tem nada além de notas altas para dar a ele.
Mas o público não está jogando. Por que Super Mario Maker falhou?
A resposta para isso é bastante simples, resumida em uma sigla: UGC. Uma das fixações da Nintendo, o UGC significa "User Generated Content", ou Conteúdo Gerado por Usuários. Pode-se dizer que a obsessão da empresa por UGC começou quando ela passou a valorizar mais modelos de negócios do que o entretenimento que fornecia.
Por exemplo, atualmente a Nintendo está focada em lançar jogos para smartphones que sirvam como isca para usuários conhecerem suas franquias e então comprarem seus videogames. Essa é uma estratégia que vai falhar pelo mesmo motivo que o foco em UGC, a empresa está mais preocupada em procurar soluções mágicas em novos modelos de negócios do que melhorar seus jogos.
Assim como aconteceu com LittleBigPlanet, o problema do UGC é que "Conteúdo Gerado por Usuários" é apenas um nome bonito para NHCGP, "Não Há Conteúdo Gerado por Profissionais". Por que as pessoas continuam achando que jogadores sem experiência podem criar conteúdo de ótima qualidade? Simplesmente não funciona assim.
Provavelmente há pessoas lendo nesse exato momento esse texto e que não acreditam que Super Mario Maker falhou. No entanto, basta tentar jogar algumas fases para ver que você não irá se divertir e a experiência está longe do que se espera de um Mario. Vamos entender melhor os critérios de falha e por que motivo eles aconteceram.
1- Não vendeu bem. Não vendeu bem pois não vendeu para o público que compra Mario em 2D. Como a maioria dos leitores do blog já sabe, a Nintendo não gosta de fazer Mario em 2D, mas se vê sem saída já que eles vendem pra caramba. New Super Mario Bros. no Nintendo DS e Nintendo Wii venderam quase 30 milhões. Até o péssimo New Super Mario Bros. 2 do Nintendo 3DS vendeu quase 10 milhões.
Ao criar Super Mario Maker a Nintendo gostaria de ter criado uma ferramenta para nunca mais ter que fazer Mario 2D, deixando para os usuários essa responsabilidade e pegando apenas a fama e o lucro. Não é preciso ser um gênio para imaginar por que isso não daria certo e que as vendas do jogo não alcançariam as de uma aventura tradicional de Mario.
2- A grande maioria das fases é horrível. Oras, que surpresa, milhares de pessoas sem conhecimento de game design e level design criando fases adoidado acabaram criando apenas milhares de fases sem graça. Quem poderia imaginar? O próprio Takashi Tezuka, produtor da série, está dando dicas sobre como criar fases melhores.
No entanto, era para ser responsabilidade do jogador criar boas fases? Você acharia interessante ir a um restaurante onde pessoas que não sabem cozinhar fazem sua comida? Provavelmente não, mas por algum motivo quando o assunto é videogame, o conceito deixa jogadores entusiasmados. Talvez porque não vejamos criadores de jogos como chefs e sim como astros de rock e todos querem ser astros de rock.
3- Quando confrontados por sua própria inexperiência e incapacidade de criar algo de qualidade, os jogadores se voltam, assim como a Nintendo para soluções mágicas. A primeira delas, a surpresa, o novo. Não importa se o resultado será bom, apenas se ele será único.
Aqui entram criações como as bizarras fases onde você não pode pegar cogumelos, precisa desviar deles para então conseguir terminar a fase, caso contrário você não passará em algum local mais baixo onde apenas o Mario pequeno cabe. Por serem novas e oferecem surpresas elas até enganam usuários que estão matando sua fome, mas a experiência não é de Mario.
4- A segunda solução mágica que eles encontram ao perceberem que não podem criar fases que divirtam os jogadores é remover o jogador por completo da equação. Assim surgem fases que não são realmente feitas para serem jogadas, são apenas animações para você observar, nas quais Mario é empurrado por outros elementos do jogo.
Sem um jogador para realmente jogar e avaliar, ele só pode bater palmas para uma "animação bem feita". Novamente o jogador sai com fome sem ter recebido nada parecido com a experiência de Mario, com algo que mais se assemelha a um vídeo de curiosidades no YouTube.
5- Terceira solução: desafio extremo. Se não podemos fazer uma fase divertida e não sabemos dosar o desafio para que ela fique na medida, vamos apenas exagerar e fazer uma fase extremamente difícil. Aqui entram fases que exigem pulos ridiculamente precisos, estágios que precisam ser decorados, truques com o botão P e técnicas avançadas como quicar no casco.
O problema básico aqui é que essa fase é atraente para apenas uma mínima parcela dos jogadores, a qual gostaria de ser reconhecida por isso. Vamos ser sinceros, completar fases quase impossíveis em Mario não te faz nada especial, a não ser que seja uma fase oficial, como a clássica Tubular. Novamente, fases extremamente difíceis assim não são a experiência de Mario.
6- Por último temos a quarta solução: cópia. Ao encarar aquele grande quadro branco e a responsabilidade de criar algo novo e de qualidade, muitos jogadores travam e retornam para onde se sentem seguros, outros jogos. Isso é um problema para a Nintendo devido aos cuidados com Copyright que ela precisa tomar.
Aqui entram fases que copiam outros jogos, até mesmo outros jogos de Mario. Green Hill Zone? Alex Kidd in Miracle World? Fases de e-Reader do Super Mario Bros 3? Não importa, é uma forma de criadores receberem aclamação sem realmente terem tido o trabalho, é um atalho para a fama para os criadores.
Para os jogadores é apenas mais fome de fases novas e boas de Mario, já que mesmo fases de outros jogos do próprio Mario estarão deslocadas e seriam melhor aproveitadas no original. Até mesmo uma boa fase, fora de contexto não é suficiente para matar a fome, e aí chegamos a outro problema.
7- Não há contexto em Super Mario Maker. Considerando o quanto falamos no blog sobre game design, conteúdo e status quo (tudo isso traduzido nesse artigo superficialmente como contexto), você provavelmente já sabe do que estamos falando. Não é a mesma coisa você sair em um mapa de fases para salvar a princesa e você escolher um monte de fases em um menu.
Quando você joga um jogo de Mario você não escolhe o que vem a seguir, você vai pra frente e tem que encarar o que vier. Level design não é apenas a disposição de elementos como blocos e inimigos em uma fase, é todo um processo de manter o jogador entretido.
Avançar em uma grande aventura e conhecer novos mundos é uma parte muito mais importante do level design de Mario do que a disposição de blocos a serem colocados nessas fases. Super Mario Maker falha em entender isso pois a própria Nintendo não se lembra mais como é focar-se em entreter melhor os jogadores, está ocupada demais pensando em novas maneiras de surpreendê-los e em modelos de negócios.
8- Tudo isso esmaga o jogador. Além de todos esses itens numerados serem problemáticos por si só, eles simplesmente exitem em grande quantidade e misturados. O excesso de escolhas pressiona o usuário, sendo que a imensa maioria delas é errada para ele como indivíduo e o fará se sentir mal por escolher errado para si mesmo.
Tentar achar a vontade de jogar algo em Super Mario Maker é como tentar achar a vontade para assistir alguma coisa no Netflix. Você passa mais tempo encarando o menu sem encontrar uma boa escolha do que realmente assistindo algo. E assim como muitas pessoas que têm o Netflix, o menu é o suficiente para desanimar você de assistir algo.
Super Mario Maker estava fadado a falhar desde o início. Apesar de sua incrível ferramenta de criação de fases, divertida e poderosa, ele nunca teve realmente o que é ncessário para se criar um bom jogo de Mario, a capacidade de enviar jogadores em uma aventura pelo reino dos cogumelos.
No fim das contas o jogo é só uma celebração sobre a camada mais superficial de level design da série, a disposição de blocos, inimigos, power-ups, itens, etc. sem se preocupar com o que eles representam. Um reflexo de jogadores que acreditam que a fase 1-1 de Super Mario Bros. é o ápice do level design pelos motivos errados.
A fase 1-1 de Super Mario Bros. é considerada um icônico exemplo de bom level design, pois ensina ao jogador tudo que ele precisa saber de maneira intuitiva. Isso levou as pessoas a imaginarem que level design é isso, posicionar blocos, power-ups e inimigos de uma maneira intuitiva.
Porém para realmente entender o que a fase 1-1 representa e por que isso está ausente em Super Mario Maker é preciso embarcar com Alice no País das Maravilhas e enxergar o que existe além da toca do coelho, além dos simples blocos, o próprio cerne da franquia Super Mario.