É muito comum pensarmos que jogos de videogame são incrivelmente originais, que todas as suas ideias surgiram do nada, porém há muita inspiração direta e indireta envolvida em cada obra. A menor referência pode se tornar algo grandioso e influenciar uma série inteira para sempre, pegando emprestado o sucesso de suas fontes, como aconteceu com o Efeito Popeye.
Super Mario, uma das maiores franquias da Nintendo, possui influências de várias obras inesperadas. Por exemplo, a forma como você entra em um cano e vai parar em um mundo mágico é inspirada em Alice no País das Maravilhas. Porém, uma das maiores influências por trás de Mario foi Popeye.
Popeye é o motivo pelo qual Mario foi criado, pelo qual ele come cogumelos, pelo qual ele anda atrás do cenário em Super Mario Bros. 3, pelo qual ele disputa a princesa Peach com Bowser e até mesmo explica por que Mario continua chamando Bowser para andar de Kart apesar de eles serem inimigos mortais. Vamos entender melhor essa história.
Clássico personagem de quadrinhos e desenhos animados, Popeye foi criado pelo cartunista Elzie Crisler Segar em 1929. Ele ficou muito popular aqui no Brasil quando sua animação foi exibida entre os os anos 70 e 90, sendo reprisado esporadicamente até hoje, para não mencionar novas séries.
Ele era um marinheiro relativamente forte que namorava com Olívia Palito e várias vezes se envolvia em brigas com Brutus, um brutamontes que queria conquistar Olívia. A maioria dos episódios tinham contextos diferente e um certo arco onde Popeye perdia a primeira batalha, comia uma lata de espinafre, ganhava super-força e vencia.
Fãs mais entusiastas da Nintendo já devem conhecer o início dessa história, mas duvido que conheçam toda ela. O primeiro jogo em que Mario apareceu foi Donkey Kong de 1980, numa época em que ele ainda era chamado apenas de "Jumpman", o cara que pulava barris. Porém, Donkey Kong era inicialmente um jogo do Popeye.
Na época, a Nintendo tinha o direito da franquia Popeye e lançava cartas e brinquedos baseados no personagem. No entanto, eles acabaram perdendo a licença e não puderam usá-lo no jogo como planejado, então a empresa os trocou por personagens originais. Não é difícil ver uma grande semelhança entre Brutus e Donkey Kong ou Olívia e Pauline (ainda não havia a Princesa Peach).
A própria disputa pela garota, seja ela Pauline ou Peach, seja o vilão Donkey Kong ou Bowser, é um reflexo da relação entre Popeye, Olivia e Brutus. O criador de Mario, Shigeru Miyamoto, comentou como desejava criar um ambiente semelhante ao do triângulo amoroso de Popeye.
Toda a forma como Miyamoto via seus personagens é muito remanescente de Popeye. Para o seu criador, Mario, Luigi, Peach, Bowser, são como atores, uma trupe de circo ou teatro que apenas interpreta seus papéis de acordo com o roteiro. Assim como Popeye e Brutus sempre reencenavam basicamente a mesma história em contextos diferentes.
Não havia na época a ideia de "mascote" nos videogames e essa forma de ver os personagens como atores foi essencial para o seu surgimento. Mario acabava sendo o protagonista em diversos jogos e podia até interpretar papéis que não condiziam com a sua história, como juiz de boxe em Punch-Out!!.
Apesar de Popeye e Brutus serem inimigos na maioria das histórias, eles constantemente começavam a partir de um status quo semi-neutro, no qual Brutus era antipático, mas não havia feitos as más ações do desenho anterior, seu antagonismo era construído novamente a cada episódio.
Esse status quo semi-neutro também existe em Mario, motivo pelo qual sempre temos que esperar o primeiro ato agressivo de Bowser para que seu antagonismo seja construído, normalmente o inevitável sequestro de Peach. É o motivo pelo qual Mario também chama Bowser e todos os seus outros inimigos que tentam matá-lo para andar de Kart, tecnicamente, eles não têm um passado de tentativa de homicídio nesse jogo.
Super Mario Bros. 3 embarcou mais ainda no tema de teatro e se deixou influenciar profundamente. Logo na abertura vemos uma cortina de palco se levantando e durante o jogo, as plataformas flutuantes tem parafusos, para dar a impressão que estão presas no cenário de fundo. Poderia ser apenas algo estético, mas eles permitiram que a ideia fosse além.
Partindo então da premissa de que aquilo é um cenário que está uma camada à frente do fundo da tela, surgiu então a ideia de que Mario poderia andar por trás do cenário para trapacear, assim como um ator. Com isso surgiu um dos momentos icônicos do jogo, onde você passa pelo parte de trás da fase para pegar a flauta mágica. Este momento provavelmente não existiria sem a ideia do teatro, a qual foi influenciada por Popeye.
Esse efeito cascata de inspirações surge de maneira semelhante em Minecraft. Muitas pessoas já repararam que os habitantes das vilas do jogo são estereótipos de judeus. Inicialmente eles eram apenas personagens com nariz grande, mas a cada atualização ganhavam características que reforçavam o estereótipo, como o sistema de comércio e o fato que são protegidos por Golems, criaturas que são da tradição judaica.
É difícil dizer quando a ideia surgiu, se os habitantes de Minecraft seriam estereótipos judeus desde o início ou se alguém apontou a semelhança e a equipe decidiu ir nessa direção. Apesar de não sabemos onde começa, os Golems com certeza confirmam que houve uma influência da cultura judaica, a qual alterou o jogo para melhor, uma alteração que talvez não estivesse planejada antes, que poderia não existir.
Já o espinafre de Popeye, por exemplo, foi responsável por todo o conceito de "Power-Ups" nos videogames. O primeiro jogo a usá-los foi Pac-Man, no qual seu criador, Toru Iwatani, confirmou a influência direta de Popeye. Por sua vez isso se refletiu nos jogos de Miyamoto, primeiro em Donkey Kong com o Martelo, e depois no Super Mario Bros. original com o Cogumelo e a Flor de Fogo.
Ter influências tão poderosas às vezes pode ser sufocante e desnorteador, pois parece que não temos mais nenhuma ideia original em nossas cabeças. Porém, mesmo Super Mario que bebe tanto dessa fonte não perde pontos em originalidade. Toda ideia pode ser transformada pelo prisma único que cada ser humano representa. Basta aceitar que você seja o que é, mesmo que você seja o marinheiro Popeye. Fu fu.
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