Recentemente uma declaração de Andrew House, chefe executivo da Sony, causou confusão na internet ao afirmar que a empresa já estaria encerrando suporte ao seu portátil, o PS Vita, lançado original em 2012, uma vida útil que seria muito curta. Porém, foi esclarecido que tal afirmação foi apenas uma frase fora de contexto, e que o portátil continuará recebendo suporte.
O que não surpreendeu ninguém sobre o suposto encerramento do suporte ao PS Vita é que o atual suporte da Sony já é quase nulo de qualquer jeito. A empresa praticamente não lança jogos para o portátil, não desenvolve jogos próprios (chamados de First Party) e no geral parece não ligar muito para ele. Qual o objetivo da Sony com essa estratégia?
Quando a Nintendo lançou o Nintendo 3DS, ela falou abertamente sobre as expectativas que tinha para o portátil, planejando que ele vendesse ainda mais do que o Nintendo DS, o que não aconteceu. Podemos dizer que o Nintendo 3DS é um fracasso pois ele não atingiu sua meta apesar de gastar recursos para tal.
Podemos dizer o mesmo do PSP, que pretendia vencer o Nintendo DS, gastou recursos para isso e foi um fracasso, apesar de ter vendido até mais do que o Nintendo 3DS. Atualmente o portátil da Nintendo tem 52 milhões de unidades vendidas, enquanto o antigo portátil da Sony vendeu 76 milhões, segundo números divulgados em 2012.
Porém, qual a meta do PlayStation Vita? A Sony não estabeleceu objetivo nenhum para o portátil, não falava dele, não falava do concorrente direto Nintendo 3DS, apenas o lançou e não fez mais nada. Presumimos que a meta seria humilde após a derrota do PSP, vender basicamente o mesmo que o seu antecessor, mas também não era isso.
Quando o Nintendo 3DS não vendia bem, a Nintendo se desesperou e realizou um agressivo corte de preço, subsidiando o portátil. Em outras palavras, a Nintendo aceitou ter prejuízo na venda de cada Nintendo 3DS vendido para lucrar em jogos e estabelecer seu aparelho no mercado.
Em nenhum momento a Sony esboçou qualquer reação sobre as vendas do PS Vita, nem uma sobrancelha levemente levantada. Não havia recursos investidos em fazer o PS Vita vender, não havia campanhas de marketing como as do PSP, nem mesmo subsídios sobre os caros Memory Cards e muito menos jogos exclusivos First Party.
Quando analisamos todos esses fatos, notamos um claro comportamento despreocupado da Sony. Chegamos a uma conclusão estranha, mas que após eliminarmos todas as outras possibilidades, se torna a única explicação possível para tamanha apatia: A Sony não lançou o PS Vita para fazer sucesso.
Sempre presumimos que quando uma empresa lança um produto, deseja que ele venda bem, é algo óbvio. O óbvio, porém, pode ser enganoso, como dizia Sherlock Holmes. Todas as nossas evidências nos apontam em outra direção. Essa é metade da solução do quebra-cabeça, mas ela só faz sentido se acharmos a outra: qual o objetivo da Sony?
Demorei para chegar a uma resposta, pois como já determinamos, ela não era óbvia. Por que lançar um videogame portátil e depois abandoná-lo? É algo que eu nunca havia visto na indústria de jogos. Para entender isso foi preciso ir até a geração passada, com o PlayStation 3 e o PSP. Entender quem era a Sony e quem ela queria ser.
Quando pensamos no sucesso do PlayStation One, PlayStation 2 e atualmente do PlayStation 4, é fácil esquecer como o PlayStation 3 e PSP perderam feio. Naquela geração a Sony ficou arrogante e lançou um videogame de US$ 599, quando o público mal pagava US$ 399. Afirmou que as pessoas arrumariam um segundo emprego apenas para comprar o console e que com o nome "PlayStation" poderia até haver tijolos na caixa que as pessoas ainda comprariam.
Essa Sony arrogante quebrou a cara na geração passada. Eles perderam para o Xbox 360, o que era até aceitável, foi uma disputa ferrenha. Porém, eles também levaram uma surra do Nintendo Wii, um concorrente inesperado que veio do nada e tomou o mercado de assalto. A Sony não ficou só em terceiro lugar, ela ficou em último. Ela também tinha confiança de que o PSP venceria o Nintendo DS, o qual atingiu vendas de mais de 150 milhões.
Essa era uma Sony também que amargava prejuízos financeiramente. Foi quando a empresa iniciou seu processo de mudança, com a entrada de Kaz Hirai, um dos pais do PlayStation, no comando da empresa. A partir daí a Sony ficou mais focada e também mais humilde, percebendo que se queria liderar, teria que se esforçar.
Agora, como essa Sony esforçada se encaixa no PS Vita? Não a vimos nele. Isso porque o PS Vita nunca foi um portátil feito para vencer o mercado, ele fazia parte de uma estratégia maior. Antes do PlayStation 4, a Sony já havia liderado o mercado com 2 de seus 3 consoles e ela queria ter certeza de que o PlayStation 4 seguiria esse legado de liderança.
Por isso ela armou o PlayStation 4 com tudo que ela poderia pensar. Se o Kinect do Xbox One fosse um sucesso, ela contra-atacaria com a PS Camera. Se o Oculus Rift fosse um sucesso, ela contra-atacaria com o Project Morpheu. Por último, se o Wii U fosse um sucesso, ela contra-atacaria com o PS Vita. Essa é uma Sony que não subestimou ninguém.
O Wii U possui um controle em formato de tablet, o Game Pad, que permite criar vários tipos de jogos diferentes, contando com interação entre duas telas, usando-o como uma "janela" que enxerga tanto na televisão como além dela e uma função secundária de "Remote Play" onde você pode parar o jogo na TV e continuar jogando na segunda tela.
O PS Vita poderia realizar todas essas funções para o PlayStation 4 se elas caíssem no gosto do público assim como o Wii Remote em sua época. Aqui no blog já sabíamos que o Wii U não daria certo, que o Game Pad não possuía o mesmo apelo, mas nem a Nintendo nem a Sony estavam cientes disso.
Essa é a explicação mais provável para a existência do PS Vita como ele é, um poderoso encouraçado em uma guerra que só precisou ser lutada em terra, abandonado pelos generais com toda sua tripulação a bordo. No entanto, mesmo sem ganhar batalhas, a posição dele é bastante favorável.
O PS Vita pode não ter um objetivo, mas isso não está impedindo as produtoras de lucrarem com ele, até mais do que com o Nintendo 3DS. Poucas pessoas se lembrarão dos relatórios financeiros da época do PlayStation 2 e GameCube, mas o console da Sony deu muito prejuízo para se manter na liderança, enquanto o GameCube mesmo sendo pouco popular lucrou bastante para a Nintendo.
As empresas que realmente lançam jogos para o PS Vita, estão lucrando bem e continuam lançando jogos para ele. Empresas como Marvelous, NIS America Idea Factory, XSeeD, estão tentando lançar o máximo que podem no PS Vita, buscando todos os jogos japoneses disponíveis para traduzir, porque estão lucrando com eles.
Graças a essas empresas o PS Vita está recebendo vários jogos da série Senran Kagura e Hyperdimension Neptunia, jogos tipicamente japoneses como Monster Monepiece, Danganronpa e Criminal Girls, e irá receber dois jogos que já se tornaram os meus mais esperados do ano: Earth Defense Force 2: Invaders from Planet Space e Corpse Party: Blood Drive.
Quando me interesso por um jogo japonês no Nintendo 3DS, tenho receio que ele não seja lançado por aqui, e normalmente é o que acontece, pois o público do Nintendo 3DS está mais interessado em comprar jogos da Nintendo. No PS Vita não preciso ter esse medo, pois as vendas de jogos estão altas.
A mesma coisa pode ser dita de jogos independentes. Quando gosto de um jogo independente, como Minecraft, Hotline Miami, The Binding of Isaac ou Not a Hero, não posso contar com o Nintendo 3DS para recebê-los, mas estão todos no PS Vita. The Binding of Isaac inicialmente foi rejeitado pela Nintendo e agora será lançado no portátil, anos depois.
Qualquer um que já conheceu um videogame que foi rejeitado pela indústria, como por exemplo o GameCube ou o Wii U, sabe como as empresas fogem e evitam lançar seus jogos para ele mesmo quando o custo de conversão é mínimo. Isso não acontece com o PS Vita, muitas empresas estão aproveitando todas as oportunidades que têm de lançar jogos nele.
Como portátil a Sony parece continuar planejando deixar o PS Vita à deriva, sem objetivo e sem suporte decente. Ele continua vendendo para um público de nicho que está satisfeito, mas não vende para o grande público. Porém, aparentemente nunca foi a intenção da Sony vendê-lo para essas pessoas em primeiro lugar, então não podemos dizer que ele falhou nisso.
De um jeito ou de outro, os rumores de sua morte foram grandemente exagerados.