sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O Dilema da Realidade Virtual

Recentemente uma nova tecnologia, não tão nova assim, vem se tornando foco de notícias no mundo dos jogos: Realidade Virtual. Assim como o efeito 3D, trata-se de uma ideia antiga que não pegou e agora está tendo uma nova chance de conquistar o público.

Vemos investimentos de grandes empresas em produtos do gênero, como o Oculus Rift, que foi comprado pelo Facebook, o Project Morpheus, desenvolvido pela Sony, e o Gear VR pela Samsung. Até mesmo o Google já entrou nessa com uma armação de papelão de baixo custo que transforma seu smartphone em um visor de Realidade Virtual improvisado.


Porém, será que a Realidade Virtual é o caminho certo para a indústria dos jogos? É realmente algo positivo para os videogames? É o que o público realmente quer? Por mais estranho que possa parecer, a resposta é "Não". Agora... será que vai fazer sucesso mesmo assim?

Essa pergunta pode parecer paradoxal, pois como algo que não é certo, positivo e nem mesmo é o que o público quer, pode se tornar um sucesso? Não seria então óbvio que ele vai falhar, assim como o efeito 3D falhou com o Nintendo 3DS e Avatar? A resposta está na falta de alternativas. A Realidade Virtual pode se tornar um sucesso não por ser boa, mas por ser nova, diferente, em um mundo sem a alternativa certa.

Sempre que falamos do fenômeno "Disrupção" no blog, o mencionamos de uma forma boa, como um bom produto que irá derrubar concorrentes, porém disrupção não é uma ação unicamente positiva. Disrupção significa alterar valores, vencer seus oponentes pelas fraquezas que eles não consideram fraquezas, mas não necessariamente os valores que serão impostos pelo vitorioso, serão positivos.

A Realidade Virtual pode acabar sendo um sucesso e se tornar relevante nos próximos anos, mas acabar trazendo valores negativos para a indústria de jogos. Isso porque, assim como o efeito 3D, a Realidade Virtual é uma extensão da cultura de jogos de PC, voltada ao jogador hardcore, uma cultura auto-destrutiva.

Caso precise de mais informações sobre as culturas de jogos Arcade e PC, confira este artigo.

A imersão proporcionada pela Realidade Virtual é imensa

Atualmente a cultura de jogos de PC está presente, obviamente, nos PCs, mas também no PlayStation 4 e Xbox One. Como mencionei em um artigo mais antigo, a cultura do PC preza pela imersão, por jogar sozinho, pelo isolamento natural do "canto onde fica o PC", desestimulando outros a observarem o que você está jogando.

Jogadores hardcore são naturalmente escapistas, pessoas insatisfeitas com as suas vidas que desejam viajar para algum outro lugar mais fantástico. Nesse ponto a Realidade Virtual ajuda no escape, pois aumenta a imersão, porém promove um nível de isolamento ainda maior do que qualquer outro videogame ou PC da atualidade.

Quando você colocar seu visor de Realidade Virtual, irá se desconectar de sua família e das pessoas a sua volta para entrar em outro mundo. Há poucas chances de que você terá múltiplos visores para todos jogarem e isso criará uma barreira, um mundo secreto além do alcance dos não-jogadores. Uma experiência extremamente isolada, impedindo que novas pessoas vejam você jogar e se interessem pelos jogos, diminuindo a empatia com o meio.

Shigeru Miyamoto, criador de Super Mario e The Legend of Zelda, comentou exatamente isso durante a E3 2014, que quando você pensa em realidade virtual, pensa em alguém botando um tipo de visor e jogando sozinho em um canto, um quarto separado, passando todo o seu tempo em um mundo virtual.

Ainda falando sobre a Realidade Virtual, Shigeru Miyamoto completou: "Eu tenho um pouco de desconforto sobre esse ser o melhor jeito das pessoas jogarem". Mas então, se a Realidade Virtual não é o melhor jeito de jogarmos, qual é?

Shigeru Miyamoto não curtiu muito o Oculust Rift

Esse é o problema. O jeito certo, ainda não existe. E o pior, não parece estar nem sendo planejado. A Realidade Virtual é o próximo nível da cultura de jogos do PC, do jogador hardcore, porém essa cultura é auto-destrutiva e não temos alternativas, não temos o próximo passo, de uma cultura saudável.

A cultura de jogos saudável, que promove o crescimento do mercado e a interação com outras pessoas, é a cultura de jogos arcade. Você já deve ter experienciado a cultura de jogos arcade nos fliperamas, mesmo sem ter completa noção do que ela realmente significa.

Enquanto na cultura de PC os jogadores são escapistas tentando fugir, na cultura arcade eles são pessoas satisfeitas com sua vida, tentando trazer o jogo para complementá-la, não para esquecerem-se dela. Se de um lado temos imersão, a tentativa de entrar no jogo, do outro temos a "emersão", uma vontade de trazer o jogo para fora da tela.

Muitos fliperamas tentam trazer a experiência para o lado de fora com acessórios, como pistolas para Virtua Cop, chassis de moto para jogos de corrida, mas o que realmente faz um jogo ser "emersivo" não são acessórios, mas a real vontade dele de sair da tela, de disputar espaço no nosso mundo.

Como a indústria prefere trabalhar para a cultura hardcore, temos hoje o avançado desenvolvimento da Realidade Virtual, mas não estamos vendo tecnologias do mesmo nível para a a cultura arcade. O máximo que temos hoje em dia são bonecos como Skylanders, Disney Infinity ou Amiibo. Onde estão os hologramas interativos? Óculos de realidade aumentada?

Ao mesmo tempo em que a Realidade Virtual atinge seu auge, as ferramentas para interagir com esse novo mundo ainda são mínimas, como se os criadores da tecnologia pensassem mais a respeito de como exibir imagens para você as assistir do que permitir que você interaja com elas.


Se tivéssemos um confronto direto entre tecnologias, uma sendo a Realidade Virtual, na qual você coloca um visor e entra em outro mundo, e outra ainda desconhecida, na qual você coloca um visor, uma luva ou um projetor, e consegue mexer em objetos virtuais com suas mãos, a segunda opção venceria com certeza.

No entanto, a Realidade Virtual está competindo sozinha. Está competindo com jogos comuns, e é contra eles que ela pode vencer. Jogos de terror que dão mais medo do que tudo que você já viu, jogos de mundo aberto que nos fazem explorar como nunca antes, jogos de sobrevivência que fazem com que você se sinta completamente isolado.

A Realidade Virtual pode gerar novas emoções excitantes usando velhas técnicas chatas. Apesar de a experiência ser toda voltada para o jogador hardcore, o grande público pode se conectar com essas emoções e tornar a Realidade Virtual um sucesso, mesmo que ela se prove apenas uma miragem no deserto.

domingo, 7 de setembro de 2014

Você é patético

Não, não você caro leitor, você é maneiro. Recentemente, Shigeru Miyamoto, criador de Super Mario, The Legend of Zelda e da paçoquita cremosa, deu uma entrevista para a revista Edge do Reino Unido onde praticamente chamou os jogadores casuais de "patéticos".

Provavelmente foi uma má escolha de palavras na tradução do japonês para o inglês, mas o que realmente importa sobre essa entrevista é que... na verdade é isso mesmo que a Nintendo pensa. Vamos entender um pouco mais sobre isso.


Na entrevista, foi falado sobre como a Nintendo abandonou o público casual, aquele que ela conquistou com o Wii e DS, e agora está se focando no público hardcore, com Wii U e 3DS. Muita gente duvidava quando anos atrás falávamos que o foco da Nintendo havia mudado, mas por várias vezes a empresa já reafirmou isso. Cá entre nós, não tem dado muito certo para ela.

A citação de Shigeru Miyamoto que começou o efeito dominó foi: "São o tipo de pessoa que, por exemplo, podem querer assistir um filme. Eles podem querer ir para a Disneylândia. A atitude deles é "Ok, eu sou o cliente. Você tem que me entreter". É uma atitude meio passiva que eles estão tomando, e para mim isso é uma coisa meio patética. Eles não sabem quão interessante é se você der um passo a frente e tentar se desafiar".

Há palavras em japonês que podem causar esse tipo de desentendimento, como se por exemplo, Miyamoto quisesse usar a palavra "Kawaisou" no sentido de "triste" ou algo digno de "pena". Ele estaria querendo dizer algo como "que pena que esses jogadores não buscam ir além da passividade, isso é triste".

Porém, no fundo, a Nintendo realmente considera os jogadores casuais patéticos. Nós nunca havíamos entendido o que aconteceu com o Wii e o DS, mas agora isso realmente ficou claro. A Nintendo queria conquistar o público casual com o Wii e o DS, mas não porque o valorizam, mas porque queriam transformá-los em hardcores.

A Nintendo estava alheia ao fato de que jogadores casuais, ou não-jogadores, são na verdade pessoas boicotando a indústria de jogos atual. Eles não gostam dos jogos que estão sendo lançados hoje em dia e por isso nem se dão ao trabalho de comprar um videogame, preferem fazer outras coisas.

Quando o Wii e o DS trouxeram os jogos que elas queriam, essas pessoas ficaram animadíssimas e esses videogames venderam, mas venderam MUITO, e os jogos que elas gostaram também venderam MUITO. Mas qual era o plano da Nintendo? Continuar dando a essas pessoas os jogos que elas gostavam? Não.


O plano malégno da Nintendo era transformar o Wii e DS em cursos supletivos de jogos, fazer os jogadores casuais "aprenderem" sobre os outros jogos e eventualmente se "graduarem" jogadores hardcore. Para isso ela lançava jogos de entrada, como Wii Sports, Brain Training e Nintendogs, jogos ponte como Mario Kart e New Super Mario Bros. Wii, e jogos hardcore, como Super Mario Galaxy e Metroid Prime 3: Corruption.

Isso finalmente explica por que a Nintendo abandonou o Wii apesar de todo o seu sucesso. O plano dela não deu certo, os jogadores não estavam "estudando", nem se "graduando", eles continuavam em sua posição "casual" e para ela isso era preguiçoso, eles não se esforçavam, era patético.

Aqui no blog não temos esse preconceito com jogadores casuais, não os achamos patéticos, os achamos pessoas normais. Eles são nossos pais, nossos irmãos, nossos tios, nossos professores, médicos, secretárias, são pessoas comuns que têm suas vidas próprias e que não podem ser considerados preguiçosos apenas pelo seu gosto em jogos.

O jogador casual sabe o que quer jogar e o que ele quer é diferente da maioria dos jogos que estão no mercado hoje em dia, que são jogos provenientes de cultura do PC. Quando ele diz "Eu sou o cliente, você tem que me entreter", ele não está sendo passivo, ele está fora da indústria, esperando ver algo pelo qual valha a pena voltar.

Quem voltou por causa de Wii Sports depois viu mais jogos de esporte tão geniais quanto ele? Quem voltou por New Super Mario Bros. Wii recebeu mais jogos de plataforma? Mais importante, quem voltou para a indústria de jogos, sentiu-se estimulado pelos outros jogos que estavam sendo lançados, além dos que inicialmente despertaram seu interesse?


Diferente do que a Nintendo e Shigeru Miyamoto pensam, os jogadores casuais não precisam se graduar, eles precisam de mais jogos que os agradem. Se algum casual abandonou o console após Wii Sports não foi porque o jogador não se esforçou para gostar de um jogo mais complexo, mas porque a Nintendo não captou sua imaginação com outros jogos.

Aparentemente o Nintendo Wii e Nintendo DS eram arapucas para jogadores casuais. A Nintendo esperava que eles evoluíssem até chegar a jogos hardcore. E afinal, por que tudo isso? A resposta é bem simples. Para reduzir o nível de exigência do público e assim poder fazer os jogos que ela quer, não os jogos que o público demanda.

Jogadores hardcore não são exigentes, compram qualquer jogo que seja de uma franquia de respeito, como Super Mario, The Legend of Zelda ou Metroid, mesmo que esses jogos sejam ruins, estraguem completamente os personagens ou tenham um design totalmente diferente de suas iterações originais. Com o público hardcore a Nintendo faz o que quer.

Já os jogadores casuais são exigentes, não compram qualquer coisa. Apesar de muitas vezes as pessoas os acusarem de comprar qualquer porcaria, um casual nunca compraria os capítulos atuais da série The Legend of Zelda, pois eles não são divertidos como antigamente. Casuais facilmente substituíram a série por The Elder Scrolls: Skyrim. Com o público casual a Nintendo tem que se esforçar e fazer o que eles exigem, ou então eles a deixam de lado.

Agora a Nintendo está agindo da seguinte forma: "Querem ir? Que se danem, não precisamos de vocês". Esta é a mesma empresa que alguns anos atrás afirmou que havia uma crise na indústria, crise na qual estamos agora, onde há cada vez menos jogadores e é preciso buscar alternativas para não chegar à extinção.

Segundo a Nintendo, eles não precisam mais expandir o público, não precisam mais da arapuca, ou no caso de jogos de entrada para esse público que joga casualmente ou que parou de jogar. A Nintendo acredita que quem cuida desse público agora são os smartphones e os tablets e eventualmente eles irão se graduar para os videogames, da Nintendo.


Shigeru Miyamoto disse: "Nos dias do DS e Wii, a Nintendo tentou o seu melhor para expandir a população de jogadores. Felizmente, por causa da propagação de aparelhos smarts, as pessoas consideram jogos como algo garantido. É uma coisa boa para nós, porque nós não temos que nos preocupar em fazer jogos que sejam relevantes para o dia a dia das vidas das pessoas em geral".

Acho que não preciso explicar muito por que está é uma das piores decisões que a Nintendo já tomou. Basta olhar para a situação atual da empresa, perdendo público e relevância, achando que vai colher louros de uma geração inteira que cresce com Angry Birds e Minecraft ao invés de Super Mario.

Eu gostaria de dizer que sinto pena da Nintendo, mas enquanto ela insiste nos piores erros da sua história e os chama de sucessos, só posso achá-la patética.