Vemos investimentos de grandes empresas em produtos do gênero, como o Oculus Rift, que foi comprado pelo Facebook, o Project Morpheus, desenvolvido pela Sony, e o Gear VR pela Samsung. Até mesmo o Google já entrou nessa com uma armação de papelão de baixo custo que transforma seu smartphone em um visor de Realidade Virtual improvisado.
Porém, será que a Realidade Virtual é o caminho certo para a indústria dos jogos? É realmente algo positivo para os videogames? É o que o público realmente quer? Por mais estranho que possa parecer, a resposta é "Não". Agora... será que vai fazer sucesso mesmo assim?
Essa pergunta pode parecer paradoxal, pois como algo que não é certo, positivo e nem mesmo é o que o público quer, pode se tornar um sucesso? Não seria então óbvio que ele vai falhar, assim como o efeito 3D falhou com o Nintendo 3DS e Avatar? A resposta está na falta de alternativas. A Realidade Virtual pode se tornar um sucesso não por ser boa, mas por ser nova, diferente, em um mundo sem a alternativa certa.
Sempre que falamos do fenômeno "Disrupção" no blog, o mencionamos de uma forma boa, como um bom produto que irá derrubar concorrentes, porém disrupção não é uma ação unicamente positiva. Disrupção significa alterar valores, vencer seus oponentes pelas fraquezas que eles não consideram fraquezas, mas não necessariamente os valores que serão impostos pelo vitorioso, serão positivos.
A Realidade Virtual pode acabar sendo um sucesso e se tornar relevante nos próximos anos, mas acabar trazendo valores negativos para a indústria de jogos. Isso porque, assim como o efeito 3D, a Realidade Virtual é uma extensão da cultura de jogos de PC, voltada ao jogador hardcore, uma cultura auto-destrutiva.
Caso precise de mais informações sobre as culturas de jogos Arcade e PC, confira este artigo.
A imersão proporcionada pela Realidade Virtual é imensa
Atualmente a cultura de jogos de PC está presente, obviamente, nos PCs, mas também no PlayStation 4 e Xbox One. Como mencionei em um artigo mais antigo, a cultura do PC preza pela imersão, por jogar sozinho, pelo isolamento natural do "canto onde fica o PC", desestimulando outros a observarem o que você está jogando.
Jogadores hardcore são naturalmente escapistas, pessoas insatisfeitas com as suas vidas que desejam viajar para algum outro lugar mais fantástico. Nesse ponto a Realidade Virtual ajuda no escape, pois aumenta a imersão, porém promove um nível de isolamento ainda maior do que qualquer outro videogame ou PC da atualidade.
Quando você colocar seu visor de Realidade Virtual, irá se desconectar de sua família e das pessoas a sua volta para entrar em outro mundo. Há poucas chances de que você terá múltiplos visores para todos jogarem e isso criará uma barreira, um mundo secreto além do alcance dos não-jogadores. Uma experiência extremamente isolada, impedindo que novas pessoas vejam você jogar e se interessem pelos jogos, diminuindo a empatia com o meio.
Shigeru Miyamoto, criador de Super Mario e The Legend of Zelda, comentou exatamente isso durante a E3 2014, que quando você pensa em realidade virtual, pensa em alguém botando um tipo de visor e jogando sozinho em um canto, um quarto separado, passando todo o seu tempo em um mundo virtual.
Ainda falando sobre a Realidade Virtual, Shigeru Miyamoto completou: "Eu tenho um pouco de desconforto sobre esse ser o melhor jeito das pessoas jogarem". Mas então, se a Realidade Virtual não é o melhor jeito de jogarmos, qual é?
Shigeru Miyamoto não curtiu muito o Oculust Rift
Esse é o problema. O jeito certo, ainda não existe. E o pior, não parece estar nem sendo planejado. A Realidade Virtual é o próximo nível da cultura de jogos do PC, do jogador hardcore, porém essa cultura é auto-destrutiva e não temos alternativas, não temos o próximo passo, de uma cultura saudável.
A cultura de jogos saudável, que promove o crescimento do mercado e a interação com outras pessoas, é a cultura de jogos arcade. Você já deve ter experienciado a cultura de jogos arcade nos fliperamas, mesmo sem ter completa noção do que ela realmente significa.
Enquanto na cultura de PC os jogadores são escapistas tentando fugir, na cultura arcade eles são pessoas satisfeitas com sua vida, tentando trazer o jogo para complementá-la, não para esquecerem-se dela. Se de um lado temos imersão, a tentativa de entrar no jogo, do outro temos a "emersão", uma vontade de trazer o jogo para fora da tela.
Muitos fliperamas tentam trazer a experiência para o lado de fora com acessórios, como pistolas para Virtua Cop, chassis de moto para jogos de corrida, mas o que realmente faz um jogo ser "emersivo" não são acessórios, mas a real vontade dele de sair da tela, de disputar espaço no nosso mundo.
Como a indústria prefere trabalhar para a cultura hardcore, temos hoje o avançado desenvolvimento da Realidade Virtual, mas não estamos vendo tecnologias do mesmo nível para a a cultura arcade. O máximo que temos hoje em dia são bonecos como Skylanders, Disney Infinity ou Amiibo. Onde estão os hologramas interativos? Óculos de realidade aumentada?
Ao mesmo tempo em que a Realidade Virtual atinge seu auge, as ferramentas para interagir com esse novo mundo ainda são mínimas, como se os criadores da tecnologia pensassem mais a respeito de como exibir imagens para você as assistir do que permitir que você interaja com elas.
Se tivéssemos um confronto direto entre tecnologias, uma sendo a Realidade Virtual, na qual você coloca um visor e entra em outro mundo, e outra ainda desconhecida, na qual você coloca um visor, uma luva ou um projetor, e consegue mexer em objetos virtuais com suas mãos, a segunda opção venceria com certeza.
No entanto, a Realidade Virtual está competindo sozinha. Está competindo com jogos comuns, e é contra eles que ela pode vencer. Jogos de terror que dão mais medo do que tudo que você já viu, jogos de mundo aberto que nos fazem explorar como nunca antes, jogos de sobrevivência que fazem com que você se sinta completamente isolado.
A Realidade Virtual pode gerar novas emoções excitantes usando velhas técnicas chatas. Apesar de a experiência ser toda voltada para o jogador hardcore, o grande público pode se conectar com essas emoções e tornar a Realidade Virtual um sucesso, mesmo que ela se prove apenas uma miragem no deserto.