terça-feira, 9 de julho de 2013

Por que vendas de jogos determinam sua qualidade


As vendas dos jogos determinam a sua qualidade. Esta é uma afirmação que deixa muitos artistas de cabelo em pé, e também muitos jogadores hardcores, o público entusiasta dos videogames. Mas por que? E por que eles estão errados em rejeitar essa ideia?

Há muitos mitos na indústria do entretenimento e quando todo um ramo é regido por mitos, é de se esperar que lhe falte certa experiência prática. O que gera valor em um produto? Se eles soubessem, estariam produzindo produtos de qualidade neste exato momento.

Note que falo da indústria do entretenimento como um todo, pois essa questão não diz respeito apenas a jogos. Filmes, música e quadrinhos são exemplos muito maiores de deterioração do entretenimento pelo mesmo motivo, desrespeito à máxima de que vendas representam a qualidade de seu produto.

Desde que o entretenimento virou uma indústria, muito dinheiro passou a entrar e mudar a forma como os artistas faziam as coisas. Logo, dinheiro ganhou uma imagem de algo ruim, que distorcia valores da arte. Afinal, só o que vende bem ganha sinal verde para ser produzido.

Os artistas desejam liberdade para criar o que quiserem, se consideram gênios, e alguns até são, apesar de isso não isentá-los. Os empresários desejam lucro com baixo risco, investir apenas no que já foi bem testado e evitar tentar coisas novas. Ambos estão errados.

Porém, se o empresário tenta lançar algo original, criativo e artístico, amargará terríveis prejuízos, e às vezes quando um artista é obrigado a produzir algo superficial e banal, consegue grandes resultados nas lojas. Ambos amaldiçoam essas mesmas vendas, o empresário porque não consegue investir em coisas novas e o artista porque não pode fazer o que deseja.


Mas o que são realmente essas vendas? Por incrível que pareça (ou não), esse empresário, esse artista e o público hardcore têm uma visão em comum. Eles acham que vendas são apenas números que representam uma massa de idiotas. Uma massa que não sabe o que é bom para ela, portanto só consome porcaria. Todos os lados acreditam nisso, apesar de abordarem a questão de pontos de vista diferentes.

Não é de se surpreender então que toda a indústria do entretenimento esteja em crise, pois estão tratando seu público como idiotas. Esquecem o que realmente são essas vendas: um inteligente público de eleitores votantes.

Cada venda é uma pessoa votando com um investimento de sua carteira e de seu tempo sobre o que a entretém ou não. Como cada um busca apenas seu próprio entretenimento, seu próprio interesse, em massa se tornam mais inteligentes, como já falamos antes em artigos sobre inteligência coletiva.

Mas é muito difícil para o empresário, o artista e o público hardcore de qualquer mídia aceitarem que essa maioria, essa massa, não é burra. Todos os três apontarão o mesmo problema, a massa não consome material de boa qualidade como eles consomem. Para eles, a massa é como um bando de moscas comendo lixo e eu estaria sugerindo que todos comessem lixo também porque a massa o faz.

Em momento algum eu vou dizer que você deve parar de consumir o que gosta para consumir o que a maioria gosta. Mas vou mostrar como um produto é superior por agradar a massa, como ele se torna sustentável dessa forma e como a massa é mais inteligente como um todo do que você é como indivíduo.

Se você não gosta de algo e a massa gosta, não significa que seja ruim, você é a microescala, é o seu gosto, você sabe (ou deveria saber) o que te agrada. Porém, em macroescala, a massa sabe apontar o que é melhor para a própria massa. Logo, a massa escolhe os melhores produtos para si mesma.


Você pode não gostar desses produtos para massa, mas um mercado não consegue se sustentar agradando apenas a minoria, nichos, pois eles ficam cada vez menores e mais exigentes. São os produtos que apelam à massa que mantém as companhias no mercado, com custos de produção razoáveis e bom lucro. Quanto menos pessoas consomem um certo produto, mais caro ele fica.

Produtos de nicho podem, e devem, ser produzidos para atender sua necessidade como indivíduo, mas eles não podem ser o foco. Elevam-se custos de produção, diminui-se lucro, até se auto-destruírem e levarem as companhias à falência, fenômeno vastamente observado em economia disruptiva. Se você apenas incentiva a criação de produtos de nicho, um dia ficará sem esses produtos, porque sua companhia preferida faliu.

Tirando o ponto de vista tradicional da arrogância de nos acharmos superiores por gostarmos de algo mais seleto, será que empresários, artistas e até nós mesmos estamos certos? A qualidade desses produtos que vendem para a massa é mesmo horrível? Por que eles parecem consumir lixo? Essa é a parte que mais surpreende e é mais difícil de aceitar ainda. Eles são mais inteligentes do que nós.

Consumidores, a massa, compram um produto para realizar um trabalho e julgam sua qualidade por quão bem ele o realiza. Isso significa que eles consomem o entretenimento que melhor lhes entretém. Curiosamente, o público hardcore está disposto a defender, e reverenciar, um produto que não os entretém, não realiza bem seu trabalho, desde que considerem que sua qualidade individual como produto é alta.

Por isso pensa-se que a massa consome apenas porcaria, pois eles não consomem esses produtos de "alta qualidade" que não fazem bem seu trabalho, quando na verdade estão obtendo exatamente o que esperavam e desejavam do seu produto de "baixa qualidade", diferente do "nicho inteligente", que acaba sendo enganado pela indústria, com um produto que não o satisfaz completamente.

A massa liga para valores que o público hardcore não liga. São muito exigentes e se um produto não os agrada em um pequeno detalhe, não consomem. É um público muito mais difícil de capturar do que o hardcore, exatamente o contrário da imagem que a indústria pinta deles.


Então por que um filme com boa história tem pouca bilheteria enquanto os shows de explosões de Michael Bay muitas vezes vendem bem? Não há aí uma clara escolha dessa suposta massa inteligente por um produto de qualidade muito inferior?

Como dito, a massa quer um produto para realizar um trabalho. A questão então é: "Que trabalho é esse?". Quando vai ao cinema, a massa quer ser entretida, e às vezes isso pode ser feito melhor com um filme ruim de ação do que com um ótimo filme de drama. Às vezes vamos em um filme de terror não para sentir medo, mas para fazer piadas com nossos amigos (ou para dar uns amassos).

Isso significa que o meio escolhido pode estar errado. Assim como a melhor história de drama não dá um bom jogo, não necessariamente uma boa história dá um bom filme, não necessariamente vai me entreter mais, vai me fazer sair mais satisfeito do cinema.

Eu não gosto de ir ao cinema para ver filmes alternativos, eu não gosto de dramas em revistas em quadrinhos e não gosto de histórias em jogos, como aquele cara chato que aperta Start nas cenas que contam a história. Automaticamente, eu sou classificado como parte da massa burra, pois o público de nicho me rotula, dizendo que eu não gosto de pensar para me entreter, eu não estou consumindo alta qualidade.

No entanto, eu gosto de ver filmes alternativos no conforto da minha casa, não no cinema. Tenho clássicos, musicais antigos, filmes mudos, filmes em preto e branco. Mesmo não gostando de drama nos quadrinhos, um dos meus livros favoritos é O Caçador de Pipas, e apesar de não gostar de histórias em jogos, eu abro uma exceção para os trabalhos excepcionais do diretor Goichi Suda.

Então não é mais possível me rotular, pois eu estou consumindo "alta qualidade" em alguns meios, em alguns produtos, mas me recuso a consumi-la em outros. Eu estou questionando onde está a real qualidade do produto quando um drama no cinema não faz ninguém se emocionar porque o ambiente não é propício ou uma "boa" história em uma revista em quadrinhos ou videogames não daria nem mesmo um bom filme B.

Cada meio de entretenimento tem uma expectativa que não pode ser subvertida por "alta qualidade". Pessoas esperam histórias profundas em livros, não no cinema, quadrinhos ou jogos. Cada meio tem seu poder: contar, mostrar, interagir, e as pessoas esperam que ele seja explorado.

Isso soa estranho para o público de qualquer uma dessas mídias, pois eles estão acostumados com seus meios sempre tentando alcançar os outros, utilizando isso como medida de sucesso. Por exemplo, quanto mais jogos parecem filmes, mais a indústria os aclama, apesar de perderem assim sua função original e perderem público.

Já há algum tempo, o cinema tenta ficar cada vez mais sério e profundo, e quadrinhos e jogos tentam ficar cada vez mais parecidos com o cinema. Como Sean Malstrom diz: "nos jogos 3D, há uma câmera que mostra o personagem e os game designers pensam que são diretores de cinema".

Para sentir realmente como é contrariar a filosofia, a natureza, de um produto ou meio, imagine o seguinte. Você abre um jornal e há 1/3 de notícias, 1/3 de quadrinhos e 1/3 de um livro. Este jornal não iria muito longe, pois as pessoas compram jornais para se informarem e ele não está realizando bem esse trabalho, independente da alta qualidade dos quadrinhos ou do livro contidos nele. A própria crise dos jornais atualmente é porque eles não oferecerem valor excepcional em relação a informação.

As pessoas vão ao cinema para se entreterem por 1 ou 2 horas, compram livros para apreciarem uma história profunda em seu próprio ritmo e compram jogos para jogar, para obter prazer através de ações diretas, assim como no esporte, que é o motivo pelo qual jogos de esporte fazem tanto sucesso. Essas funções não podem ser subvertidas.

Por volta de 1953, o famoso autor de ficção científica Ray Bradbury, aparentemente tinha tanto medo de uma possível subversão do sentido das coisas por uma massa burra que criou o livro Fahrenheit 451. Era sobre uma sociedade distópica onde as pessoas não mais liam, nem consumiam nada de "alta qualidade", apenas viam TV, que não mostrava nada relevante, mantinha o povo anestesiado.

Neste mundo um personagem chamado Capitão Beatty explica que essa tirania da maioria não foi instaurada por um governo ditatorial ou pela censura. Ele diz que as pessoas pararam de ler simplesmente porque perderam o interesse:

"O mundo se encheu de olhos e cotovelos e bocas. A população duplicou, triplicou, quadruplicou. O cinema e o rádio, as revistas e os livros, tudo isso foi nivelado por baixo. Imagine o quadro. O homem do século XIX com seus cavalos, cachorros, carroças, câmera lenta. Depois no século XX, acelere sua câmera. Livros abreviados. Condensações. Resumos. Tabloides. Tudo subordinado às gags, ao final emocionante.

Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livro de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário, num verbete de dez a doze linhas. Hamlet não passava de um resumo de uma página num livro que proclamava: Agora você finalmente pode ler todos os clássicos; faça como seus vizinhos. Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos".

O que Bradbury não percebeu (ou sim, afinal é uma ficção) é que é impossível subverter completamente esses valores. Para tal, seria necessário apagar completamente tudo que a humanidade sabe sobre o que foram livros, filmes, quadrinhos, para só então que não soubéssemos o que eles são, pudéssemos atribuir outros valores a eles.

Para evitar tornar o artigo ainda mais extenso, vamos nos afastar um pouco das vendas das outras mídias e nos focar apenas na venda de jogos. Como cada indústria lida com suas crises de maneiras diferentes, provavelmente retornaremos ao assunto em um artigo futuro.


A DICE, desenvolvedora do jogo Battlefield 3, comentou uma vez que apenas poderia ser julgada pelos críticos de jogos, pois as vendas não podiam dizer com certeza se o produto era bom ou não. Disse isso pois o crítico poderia dar uma nota alta e as vendas serem baixas, assim como dar nota baixa e as vendas serem altas.

Essa situação chega a ser ridícula quando observada com atenção. A indústria se recusa a acreditar que o crítico errou a respeito do que agradaria ao público. Não, quem errou foram as vendas que não foram pro lugar certo, foi o público que foi "burro".

Não parece muito democrático dar poder a uma única pessoa ou pequeno grupo, eleitos ou não pela massa, para representá-la, para avaliar a qualidade de um produto. De que adianta medir apenas as qualidades que importam para o crítico e para os jogadores hardcore, se isso pouco importará no sucesso do jogo, já que a massa é mais numerosa?

Poucas pessoas sabem que o primeiro Just Dance para o Nintendo Wii foi avaliado por um dos maiores sites de jogos, a IGN, e descartado como "shovelware" do console, um título porcaria qualquer. A nota dada pelo site foi 2.0, numa escala de 0 a 10. Just Dance vendeu milhões, contrariando a todos e se tornando um grande sucesso. O site deu então nota 8 para Just Dance 2 e Just Dance 3, que eram iguais ao primeiro.


O crítico não estava errado. Pelos padrões dele e do público hardcore, Just Dance era realmente um jogo nota 2.0. Mas então o que aconteceu? As vendas provaram que era um produto de qualidade, que entretia muito bem, e a crítica não podia provar o contrário. Se olharmos para o passado, veremos coisas como Grand Theft Auto que tirou 6.0 e ainda assim mudou toda a forma de pensar da indústria. Battlefield 3, da DICE, vendeu no total por volta de 11 milhões. Isto é mais ou menos o que Call of Duty: Modern Warfare 3 vende em cada console individualmente, em um total que supera 25 milhões. Não fica óbvio que um produto agradou mais aos consumidores do que o outro? E que esses consumidores escolheram conscientemente o produto superior pra entretê-los?

A maioria dos jogadores hardcore não acredita nisso. Existem exemplos como Enter The Matrix, jogo que foi muito criticado e vendeu muitos milhões, o qual utilizam para dizer que vendas não representam qualidade. No entanto, a massa gostou bastante do jogo, eu gostei do jogo, e até mesmo conheci hardcores que gostaram mas têm vergonha de falar devido à má fama que ele ganhou.

Então existem títulos como Okami, extremamente artísticos, que os jogadores hardcores acham que deveriam vender mais. O jogo tem uma abertura de 30 minutos antes de deixar você começar a jogar, não é surpresa que espante a maioria das pessoas. Segundo o produtor, qual foi a razão do jogo ter vendido mal? A época do lançamento. O público hardcore não se atreve a falar mal de Okami, o veneram como "arte".


Okami ainda foi relançado no Nintendo Wii e PlayStation 3 repetindo suas vendas abaixo do esperado e até ganhou uma sequência no Nintendo DS, o portátil mais vendido de todos os tempos, onde também não vendeu bem. O problema nunca foi a época do lançamento, mas você nunca verá alguém na indústria de jogos admitindo que o problema foi com a qualidade do seu produto.

Não comprar é a forma do público dizer que não gostou de algo, que não quer introduções de trinta minutos, que não quer ter que parar sua diversão para acompanhar uma história cliché, que não quer tirar um gato da árvore antes de poder seguir sua jornada, que não quer buscar os três artefatos do poder espalhados pelas mesmas áreas que você já passou antes.

E quando você para pra pensar nisso, dá pra notar que eles são bem mais exigentes do que você e eu, que aceitamos isso tudo, relevamos. Então temos que nos perguntar... será que a massa é tão burra assim?

Creepychu


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